O tema ainda é alvo de preconceito; especialistas defendem esses lugares como forma de qualidade de vida.

19/01/2024 11:03

*Folha de São Paulo, 19/01/2023.

Na infância, Ana Clara Lisboa ouvia a mãe falar sobre a importância de ser uma mulher independente. "Ela sempre disse que a nossa maior riqueza é ser livre", conta Ana.

Foi essa liberdade que ela viu a aposentada Enila Guimarães perder pouco a pouco nos últimos anos.

Primeiro, Enila teve ataques de pânico. Depois, crises de ansiedade recorrentes e logo surgiram problemas de locomoção.

"Ela saía para a rua, caía e não conseguia levantar sozinha pela falta de equilíbrio", diz Ana à BBC News Brasil.

Enila foi diagnosticada com uma doença degenerativa que a deixaria com demência e cada vez mais dependente de cuidados.

Coube a Ana ser a principal cuidadora da mãe, o que é uma realidade dos lares brasileiros.

As pesquisas feitas por estudiosos costumam apontar que a imensa maioria dos cuidados com idosos são feitos por mulheres.

 

Um levantamento divulgado no ano passado pela Fundação Seade, um sistema de análise de dados, apontou que cerca de 90% dos cuidadores de pessoas com demência em São Paulo são mulheres.

Enquanto a saúde da mãe deteriorava, Ana entrava em depressão. Porém, ela precisava continuar dando apoio a Enila.

Em certo momento, a jovem decidiu que a única alternativa seria levar a mãe para uma instituição de longa permanência para idosos (ILPI), lugares popularmente conhecidos como "asilos" ou "casas de repouso".

A própria Ana tinha preconceito com o assunto e chegou a se questionar se deixar a mãe em uma instituição não seria uma forma de abandono.

"Para mim, era inaceitável. Precisei de muita terapia para entender que eu estava fazendo mais mal do que bem para ela", diz.

Os especialistas frisam que, apesar de ser um lugar que acolhe idosos sem amparo familiar, as instituições deste tipo também são locais para receber aqueles que têm a família por perto —e os parentes podem continuar visitando e acompanhando.

A geriatra Karla Giacomin, que lidera a Frente Nacional de Fortalecimento à ILPI, conta que o preconceito sobre o tema ainda é grande.

"É fundamental entender que além daqueles que não têm familiares próximos ou romperam relações com os parentes, há situações em que a própria família, por mais que queira, não consegue mais cuidar daquela pessoa", afirma Giacomin, que é consultora da Organização Mundial de Saúde (OMS) para cuidados de longa duração.

"O cuidado faz parte da dimensão humana, é um direito, e esse é o papel dessas instituições."

Poucas destas instituições são públicas no Brasil, segundo os pesquisadores sobre o tema.

A imensa maioria é particular, com valores mensais que vão de R$ 5 mil a até mais de R$ 20 mil —aquelas que são muito baratas, segundo especialistas, podem ser precárias.

Um dos problemas em relação ao tema é a falta de dados oficiais no país.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável por receber levantamentos de inspeções nesses lugares, enfrenta dificuldades para traçar um panorama nacional.

Já o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) disse à BBC News Brasil que está atento à questão e que avalia medidas para auxiliar pessoas idosas.

Mas não tem, ao menos por ora, previsão de expansão das instituições públicas para acolher essa parcela da população.

OS PROBLEMAS DE SAÚDE

O caso de Enila é o retrato de um país que está envelhecendo e ainda busca formas de lidar melhor com seus idosos.

A aposentada era descrita como uma mulher independente. Por volta dos 25 anos, casou pela primeira vez e teve o primeiro filho, Mateus.

Depois, Enila se separou. Ela se casou novamente aos 35 anos e teve a segunda filha, Ana, aos 41.

O primeiro filho se mudou com o pai para o interior de São Paulo. Já Ana foi criada com Enila em Paracatu, no interior de Minas Gerais —o pai dela morreu quando a jovem ainda era criança.

"Desde pequena, eu lembro que era sempre eu e a minha mãe sempre", diz Ana, hoje com 24 anos.

Ao longo da vida, Enila foi servidora pública em Minas Gerais. Ela trabalhou como professora e depois no setor administrativo da Educação.

Sua filha conta que ela tinha muitas amigas, uma vida social ativa e muitos planos para o futuro.

A aposentadoria era aguardada por Enila como uma fase de novas conquistas e de viagens.

"Ela sempre quis fazer tudo sozinha, sem depender de ninguém", diz Ana.

Mas, a partir dos 60 anos, a aposentada passou a enfrentar problemas de saúde e começou a cair sozinha com frequência.

Durante o isolamento na pandemia de Covid-19, Ana notou que a saúde da mãe piorou cada vez mais.

"Ela não queria sair da cama, não estava se alimentando direito e não tinha forças para levantar sozinha. Ela tinha crises de ansiedade e pânico", conta.

Ana compartilhou com o irmão a situação de sua mãe, e eles decidiram buscar ajuda especializada.

As duas foram morar com ele, que vive na região de Campinas, no interior de São Paulo.

Sem dados oficiais sobre as instituições para idosos ou quantas pessoas vivem nelas, os pesquisadores brasileiros costumam fazer levantamentos por conta própria.

A reportagem procurou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que informou que não ter essas informações.

No governo federal, o único dado que consta é originado de municípios que encaminham voluntariamente à Anvisa informações sobre cadastros e inspeções nessas instituições.

Mas são poucas as defesas civis municipais que passam esses números à agência. Em razão disso, a Anvisa reconhece que não há um dado oficial sobre o total de instituições desse tipo no país.

Em nota à reportagem, a Anvisa aponta que os municípios não são obrigados a enviar os números desse tipo de inspeção.

A agência não descarta, porém, exigir o repasse destas informações no futuro, para dimensionar a situação das instituições para idosos no Brasil.

Ao todo desde o início de 2023 até o começo deste ano, foram encaminhadas 321 avaliações à Anvisa, enviadas somente por 11 estados —os demais não encaminharam essas informações, segundo a agência.